Telas que retratam o feminino
Nas pintura, Marcela Flórido discute o papel da mulher e o afeto na arte contemporânea brasileira
Por BRUNNA CONDINI
Rio - Marcela Flórido, artista carioca baseada em Nova York, fica até 17 de fevereiro, na Anita Schwartz Galeria de Arte,na Gávea, com a exposição 'Laços'. A entrada é gratuita. Nas pinturas, ela discute o papel da mulher e o afeto na arte contemporânea brasileira. Além disso, faz a curadoria de vídeos de seis outras artistas.
ODIA: Fale um pouco da sua história.
Marcela: Nasci no Rio, mas com 19 anos deixei o Brasil para estudar artes na Inglaterra. Pintar todos os dias era tudo o que eu queria fazer. Morando no Rio trabalhava e estudava, não tinha tempo para nada. O convite para estudar fora do Brasil foi inesperado, e demandou um foco intenso para que eu não perdesse de vista meus objetivos e sonhos profissionais.
Há quanto tempo pinta?
Comecei a pintar de oito a dez horas por dia, todos os dias, há dez anos atrás, quando me mudei para Londres. Penso que desde cedo aceitei a identidade de "artista", pelo menos entre amigos e familiares, mas isso é muito diferente de decidir seguir as artes como carreira profissional. Quando tomei essa decisão pela primeira vez, provavelmente não sabia o quão solitária pode ser a vida do artista.
O que 'Laços' quer propor?
É a ultima mostra que exibirá os quadros de um grupo de pinturas desenvolvidas por mim em 2017 e que tem o coração como motivo central. Essas telas retratam paisagens emocionais, que exploram o impacto emocional, físico e psicológico do corpo feminino no espaço. Representações sutis do que significa mover-se no mundo em um corpo feminino.
O meio das artes plásticas é muito machista?
Acredito em um machismo estrutural, o que significa que desde pequenos os homens têm internalizado informações consolidadas socialmente que determinam como certo e verdadeiro determinados padrões de comportamento. Ao meu ver, a nossa sociedade não propicia relações de identificação e apoio mútuo entre as mulheres. Acredito que haja muitas estruturas sociais que propiciam a competição entre as mulheres, e eu as vejo muito presentes também no mundo das artes. A ideia de fazer a mostra 'Caixa Preta', que exibe vídeos de seis artistas mulheres de diferentes países e gerações, é justamente uma ação contrária a essa competitividade. O meu objetivo é expor as semelhanças de linguagem e temas entre essas artistas.
Já sofreu machismo?
Sim, de forma sutil e constante. Por exemplo, enquanto morava no Brasil eu tinha um grupo de amigos artistas, muito inteligentes e talentosos. Aos poucos eu comecei a perceber a diferença entre a rede de apoio que eles ofereciam entre si e o ceticismo com que eles se relacionavam com o meu trabalho e o de outras amigas artistas. Era uma interação sutil, e difícil de identificar, mas que com o passar do tempo foi minando a minha autoconfiança. Hoje sou amiga de grandes artistas, mulheres fortes, com quem tenho um diálogo muito aberto. Dividimos entre nós muitas historias sobre esse tipo de experiência. É importante para mim entender como algumas estruturas sociais e de comportamento muitas vezes não nos incentivam e estimulam a crescer profissionalmente.