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Ancestralidade e gastronomia na voz das chefs

Por Meia Hora

Publicado às 28/07/2024 08:00:00 Atualizado às 28/07/2024 08:00:00
Carol Costa estuda e valoriza ingredientes e técnicas tradicionais afro-brasileiras
Julho é um mês marcado pela celebração do Julho das Pretas, comemorado no dia 25, é uma data que homenageia o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, assim como o nascimento de Teresa de Benguela, uma líder quilombola que se tornou símbolo de resistência. Uma oportunidade para valorizar a contribuição das mulheres negras em diversos campos, destacando suas histórias e lutas. Na gastronomia, essa celebração se torna ainda mais significativa, pois a culinária é uma poderosa ferramenta de preservação e celebração da ancestralidade.
Conversamos com duas chefs de diferentes regiões do Estado do Rio de Janeiro, que compartilham suas trajetórias, desafios e esperanças para o futuro das mulheres negras na gastronomia.
Carol Costa | Chef na Cozinha e Ginga
Aos 32 anos, Carol Costa, moradora de Coelho da Rocha, São João de Meriti, encontrou na reconexão com sua ancestralidade o ponto de partida para sua jornada na cozinha. "Eu comecei a questionar as matriarcas da minha família sobre a relação delas com a alimentação e o plantio, já que tínhamos uma horta no quintal", relata.

Essa busca pelas raízes familiares transformou sua visão sobre a gastronomia, levando-a a estudar e valorizar ingredientes e técnicas tradicionais afro-brasileiras. Para Carol, a gastronomia é um ato de resistência e celebração da cultura negra.

"O direcionamento dos estudos em gastronomia é totalmente eurocêntrico. Então, comecei a fazer minhas próprias pesquisas para compreender como a culinária afro-brasileira se estabelece no Brasil e sua relação com alimentos específicos da diáspora, como o feijão fradinho, o quiabo e a melancia", explica. Esses ingredientes não são apenas comida, mas símbolos de uma história de adaptação e resiliência.

Os desafios em sua carreira estão entre o sonho de empreender pela gastronomia e a necessidade que ainda têm em continuar no seu trabalho formal. "Equilibrar meu trabalho na Cozinha e Ginga com a minha função CLT é difícil, mas consigo administrar. Além disso, estudar a culinária africana com todas as suas complexidades é um desafio contínuo. Nossa culinária é plural e precisa ser reconhecida como tal", afirma.

Para o futuro, Carol espera mais espaços para que mulheres negras possam falar sobre suas técnicas e modos de cozinhar. "A valorização profissional demora mais para chegar até nós, mas acredito que estamos avançando", conclui.
Celi Gomes | Cozinha Comunitária de Santa Luzia, São Gonçalo
Celi Gomes, de 51 anos, à frente da cozinha comunitária de Santa Luzia, em São Gonçalo, reflete sua ancestralidade em cada prato que prepara. "Minha culinária é uma celebração da herança, uma expressão de identidade e amor pelas tradições que me definem", diz.
Para ela, a gastronomia é um meio de preservar e valorizar as tradições afro-brasileiras, resgatando memórias e mantendo vivas as raízes africanas. Ela vê a gastronomia como um espaço de resistência, combatendo estereótipos e preconceitos. "A gastronomia alimenta a alma, a história e a resistência de um povo. Através da comida, fortalecemos os laços entre as pessoas em festas, encontros familiares e comunitários", acrescenta.
Quando perguntada sobre seus maiores desafios, Celi ressalta a falta de apoio para projetos como o da Cozinha Comunitária: "Minha maior dificuldade é garantir os direitos de cidadania para o povo brasileiro. Não temos apoio suficiente para suprir as necessidades alimentares da população e é difícil conseguir acesso às autoridades", desabafa.
Ela também enfrenta a limitação de não poder atender a todos que precisam de ajuda, mas continua sua luta por educação e dignidade para as pessoas vulnerabilizadas.

Para o futuro das mulheres negras na gastronomia, Celi sonha com reconhecimento e oportunidades. "Almejo que as mulheres negras tenham espaço para mostrar seu talento, criatividade e expertise na culinária, rompendo com estereótipos e barreiras que historicamente limitaram sua participação e visibilidade nesses espaços."

Gabriela Anastácia, jornalista e colaboradora do PerifaConnection
Samara Oliveira, editora do PerifaConnection
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