Prometida no período eleitoral e tida como certa nos discursos após a posse presidencial, a mudança da Lei Rouanet foi anunciada em um retuíte do presidente Jair Bolsonaro. Sem explicação, sem nada. Um vídeo do PSL exibido no perfil de Bolsonaro no microblog traz as seguintes “velhas novidades”: o teto para um único projeto cairá de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões.
Os gigantes Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras e BNDES vão patrocinar projetos de artistas não famosos. A escolha de qual projeto terá o incentivo da Lei Rouanet, lei federal de incentivo à cultura criada em 1991, será feita em parceria com o Ministério da Cidadania, sob a batuta do ministro Osmar Terra. Outro ponto citado no vídeo é a retirada de projetos do eixo Rio-São Paulo, passando a focar no interior.
Essas medidas já estavam em estudo pelo governo. Logo no início do ano, o ministro falou em reduzir o valor máximo de captação nas empresas e o aumento da gratuidade para espetáculos financiados pela verba pública. No final do ano o secretário especial José Henrique Pires, que assumiu a pasta da Cultura com o fim do ministério, expressou o desejo de mudar o mecanismo de controle da Lei Rouanet. “A proposta não é enfraquecer a Lei Rouanet, mas obviamente deve ter melhoramentos nos mecanismos de controle, uma atenção nas prestações de contas”, garantiu.
O fato de excluir famosos e “direcionar” o incentivo é rebatido pelo ator Alcemar Troglo. “Qualquer pessoa, conhecida ou não, pode fazer uso do benefício da lei. O problema é a empresa que se beneficia com a isenção fiscal querer patrocinar somente famosos”.
Dúvidas para quem busca aprovação de projeto
As mudanças geram dúvidas por quem até hoje lutou para conseguir ter seu projeto aprovado. O diretor da ONG Favela Mundo, Marcello Andriotti, considera a Lei Rouanet importante para manutenção de várias iniciativas de impacto social e defende que fama não deveria ser um dos critérios adotados para aprovação ou desaprovação do projeto.
“Em um momento em que se fala de desemprego, mudança de lei e empoderamento feminino, o projeto A Arte Gerando Renda, que trabalha justamente a capacitação profissional, o resgate da autoestima e valorização pessoal, é um projeto patrocinado através da Lei Rouanet”, revela.
Para a produtora cultural e escritora Cristina Pimentel é importante que as novas regras atendam os artistas menos conhecidos. “Para que as novas regras realmente funcionem, ou seja, que os artistas que ainda não são tão conhecidos do grande público tenham sucesso e acesso aos investidores, seria necessária a redefinição de critérios, que precisam estar a serviço da democratização dos projetos”, diz.
Retorno é bem maior
Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, encomendada pelo extinto Ministério da Cultura e divulgada no final de 2018, mostrou que a lei movimentou quase R$ 50 bilhões entre 1993 e 2018 — soma de impacto direto (R$ 31 bilhões) e indireto (R$ 18,5 bilhões) no período analisado. O número supera o valor da renúncia
fiscal concedida pelo mecanismo de incentivo, que foi de R$ R$ 17,6 bilhões desde 1993, em valores nominais. Na época o ministério era responsável pela aprovação de projetos inscritos na lei. Agora fica a cargo do Ministério da Cidadania.
Embate com artistas
Os embates em relação a Lei Rouanet envolvendo Bolsonaro e artistas vêm desde antes da eleição. Quando Bolsonaro ainda era presidenciável, um grupo de artistas assinou um manifesto contra o agora presidente. Para eles, a vitória de Bolsonaro prejudicaria a classe artística, a começar pela extinção do Ministério da Cultura, o que se confirmou. Em resposta, ele atacou artistas famosos que receberam dinheiro da Lei Rouanet, que poderiam ser mais úteis para artistas em começo de carreira.