Depois de ficar dois meses e 20 dias na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio, o aderecista da Unidos de Vila Isabel Leandro dos Santos Oliveira, de 37 anos, tenta retomar a vida que ficou de lado após ser acusado de assassinato. Leandro foi preso em 27 de maio após ser reconhecido por uma foto como o autor de um homicídio cometido em 2017, conforme O DIA revelou. Ele, que ainda não foi inocentado, foi solto na sexta-feira da semana passada após ser beneficiado por um habeas corpus concedido pela Justiça do Rio.
Apesar de ter voltado a trabalhar no barracão da escola na segunda-feira, na preparação para o Carnaval do próximo ano, o aderecista ainda se sente aprisionado, por conta de uma medida protetiva contra ele, solicitado por uma das testemunhas de acusação.
"A pessoa que me acusa, eu não sei quem é, mas ela pode estar em qualquer lugar e eu preciso ficar distante. Eu evito totalmente a rua. Uma das minhas funções é comprar material e lidar com fornecedor, e eu estou pedindo para que eles venham ao barracão ou para outra pessoa assumir para mim. Eu prefiro ir de casa pro trabalho e do trabalho para casa a andar. Eu ando tão assustado, que se alguém me convidar hoje para tomar um café, eu não vou", lamenta.
O crime pelo qual Leandro é acusado aconteceu em 2017, mas o aderecista nunca foi intimado. Quando foi preso, em maio deste ano, não depôs nem à polícia nem à Justiça. Ele será ouvido pela primeira vez no próximo dia 11, em audiência.
"Ele ainda não foi ouvido. Na audiência do dia 11, será a primeira vez que falará sobre o caso. Ele nunca foi chamado para depor, nem mesmo na delegacia. O inquérito foi instaurado por conta do homicídio. Algumas testemunhas foram ouvidas, mas o Leandro, nunca. A polícia e o Ministério Público pediram a prisão preventiva dele e a Justiça decretou. Isso em agosto de 2018. Desde então, ele nunca foi procurado ou notificado", explica o advogado de Leandro, Fábio Wanderley.
"Eu não teria como estar foragido, porque no ano passado fiz propaganda de Carnaval na televisão. Três anos consecutivos eu venho ganhando pontos, eu tenho um Facebook ativo, que tem meu número e onde eu trabalho, e não me acham? Nunca me intimaram. Então, hoje a Divisão de Homicídios e o Ministério Público só conseguem intimar se levar um oficial de Justiça até você? Não te ligam? Você não é comunicado, eles simplesmente te julgam, não te dão o direito de se explicar. Não paga o imposto de renda, não paga um carro para ver se não tem busca e apreensão na sua porta. Para tudo isso eles chegam. Mas a DH precisa fechar o inquérito e é só mais um 'crioulo', só mais um homossexual, ele que se defenda", queixa-se o aderecista. Ele ainda lembra do constrangimento que viveu quando foi preso em um posto do Detran.
"Eu fui algemado e perguntei: 'é necessário?'. E o policial disse que era. Foi um constrangimento, porque eu estava dentro de um shopping, com o Detran inteiro me olhando. Trabalho no maior evento da terra. Imagina se acontece isso comigo dentro do sambódromo. Imagina o constrangimento."
A vítima e Leandro se conheceram no barracão, mas, de acordo com ele, não mantinham relacionamento amoroso e também não eram amigos.
"Eu conheci a vítima em 2006. O complexo (barracões) é muito grande e, quando chega o pico do Carnaval, a gente se cumprimenta, ma, a gente não tinha um relacionamento, nem de amizade nem romântico. A gente não trocava um bom dia. Era muito esporádico quando a gente se encontrava em alguma evento de trabalho. Quando me deram a foto, eu disse "gente, é o Fernandinho". Eu me lembro que esse menino foi assassinado, li em redes sociais que ele foi assassinado pelo namorado, todo mundo comentou, eu comentei, porque foi uma coisa fatídica."
Devido a falhas em investigações como as que apuraram a morte de Fernandinho, como foi identificada a vítima, o aderecista acredita que essa não será a última vez que alguém será preso injustamente.
"Infelizmente, todos nós estamos suscetíveis a passar por isso, todos, sem exceção, simplesmente alguém diz que foi você e passa a ser você. Não tentam fazer um reconhecimento, te achar, nada. Precisou eu ir ao Detran para saber. Eu não fui o primeiro e não vou ser o último a passar por isso."
O alívio só vai chegar para Leandro quando ele conseguir provar sua inocência, o que pode acontecer no próximo dia 11. Até lá, ele decidiu enfrentar todo o processo de cabeça erguida.
"Eu decidi passar por isso em pé. É muito triste passar por tudo isso, mas, ao mesmo tempo, é grande, você sai forte, você começa a perceber coisas que você não tinha o hábito de olhar. Eu decidi que não ia ficar chorando, eu tenho que lutar. E, se for para eu provar, eu vou provar."
* Estagiária, sob supervisão de Maria Inez Magalhães