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Bolsonaro disse não ter poder sobre orçamento secreto antes de o bloquear

A ordem no Palácio do Planalto é não pagar mais nada neste ano

Decisão de bloquear recursos do orçamento secreto seria uma forma de Bolsonaro retaliar Arthur Lira
Decisão de bloquear recursos do orçamento secreto seria uma forma de Bolsonaro retaliar Arthur Lira -
São Paulo - Durante a campanha eleitoral deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) alegou que não tinha "nada a ver" com o orçamento secreto, esquema de transferência de recursos públicos sem transparência a estados e municípios em troca de apoio no Congresso. Entretanto, nesta quarta-feira, 30, o chefe do Executivo mandou suspender o pagamento das emendas de relator — base do mecanismo — após seus aliados no Congresso, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), negociarem alianças com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PL).

A ordem no Palácio do Planalto é não pagar mais nada neste ano. Na prática, a medida deixa Lira sem capacidade de honrar os acordos feitos para bancar sua reeleição ao comando da Casa. Além disso, empurra para Lula o ônus de manter o esquema do toma lá, dá cá que condenou na campanha e liberar as verbas a partir de janeiro de 2023, se não quiser azedar sua relação com o Legislativo.

O argumento oficial utilizado pelo Planalto para o fechamento da fonte do orçamento secreto foi a falta de recursos para outras áreas, com os sucessivos bloqueios que o governo precisou fazer para cumprir o teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.

Em conversa com apoiadores no Palácio da Alvorada, em 2021, Bolsonaro alegou que a mídia inventou que ele teria um orçamento secreto. Na época, ele também fez referência a uma outra investigação sobre compra de leite condensado pelo Executivo.

"Inventaram que eu tenho um orçamento secreto agora. Tenho um reservatório de leite condensado, 3 milhões de latas. Eles não têm o que falar. Como um orçamento foi aprovado, discutido por meses e agora apareceu R$ 3 bilhões? Só os canalhas do Estado de S. Paulo para escrever isso aí", disse.

Revelado pelo Estadão, o orçamento secreto foi criado pelo presidente e repassou ao relator do Orçamento a decisão sobre qual deputado ou senador poderia definir o que fazer com recursos do caixa federal. Até mesmo pessoas sem mandato foram contempladas. Nos últimos anos, recursos foram distribuídos sem critérios técnicos e abasteceram prefeituras de aliados que compraram de tratores a caminhões de lixo, sem necessidade e a preços superfaturados.

Posteriormente, já em campanha eleitoral, Bolsonaro alegou que não tinha relação com o mecanismo e que teria vetado, alegando culpabilidade do Congresso Nacional. "Pelo amor de Deus, para com isso. Orçamento secreto é uma decisão do Legislativo que eu vetei, depois derrubaram o veto. Quem recuou do veto? Ah, eu desvetei? Desconheço desvetar", disse.

Entretanto, essa alegação é falsa A primeira tentativa de viabilizar o orçamento secreto foi realmente do Congresso e Bolsonaro a vetou. O presidente, porém, recuou do próprio veto logo depois e encaminhou para o Congresso o texto que criou o orçamento secreto. O projeto é assinado por Bolsonaro e a exposição de motivos que o justifica leva a assinatura do general Luiz Eduardo Ramos. Todo esse processo está documentado.

Em outubro deste ano, ao ser questionado pelo Estadão sobre ter recuado do veto ao orçamento secreto, o chefe do Executivo alegou que não tinha "nada a ver com esse orçamento secreto". Entretanto, vale ressaltar que o orçamento secreto foi gestado dentro do Palácio do Planalto, no gabinete do então ministro da Secretaria de Governo, general Ramos, que, na época, era o responsável por fazer a ponte entre o governo e o Congresso.

Além disso, apesar de o presidente jogar a responsabilidade para o Congresso, todo o pagamento é controlado pelo governo, que escolhe quando pagar e qual parlamentar será beneficiado naquele momento, tanto que, agora, foi exatamente Bolsonaro quem bloqueou o pagamento de outros R$ 7,8 bilhões ainda previstos para este ano.

PT e orçamento secreto

Embora o Lula e o PT estejam negociando a manutenção das emendas de relator, o presidente eleito já condenou duramente o esquema, classificando-o como uma forma de "extorquir prefeitos e a população" e dizendo que o mecanismo "representa a submissão de Bolsonaro ao Congresso".

Agora, apesar das tratativas, Lula ainda conta com a decisão pendente do Supremo Tribunal Federal (STF) que deverá definir ou não a continuidade do mecanismo e o modelo de prestação de contas. Na prática, a ordem original da ministra Rosa Weber, que chegou a suspender o pagamento das emendas, não foi cumprida na íntegra pelo Congresso, e o tema está nas mãos do STF. A ordem de Rosa era a de dar total transparência ao processo.