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Por que MP acusa policiais da Rota de matar suspeito e forjar confronto em Santos?

Por Agencia Estado

Publicado às 27/11/2024 16:39:50
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) tornou réus dois agentes da Rota (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar), batalhão de elite da Polícia Militar, pela morte de um homem de 36 anos em fevereiro deste ano em Santos, na Baixada Santista. Trata-se da primeira acusação contra policiais que participaram da Operação Verão, incursão que deixou ao menos 56 mortes no litoral paulista.

Conforme denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado (MP-SP), os PMs Diogo Souza Maia e Glauco Costa teriam forjado um confronto e dificultado a captação de imagens pelas câmeras corporais que usavam após matar o roupeiro Allan de Morais Santos. O recebimento da denúncia foi noticiado primeiramente pela GloboNews e confirmado pelo Estadão.

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública do Estado (SSP) afirmou que a ocorrência foi investigada por meio de Inquérito Policial Militar (IPM), que foi encaminhado à Justiça. Segundo a pasta, os policiais envolvidos na ocorrência estão afastados do serviço operacional até o final do processo. A reportagem não localizou a defesa dos dois agentes, mas o espaço está aberto para manifestação.

Ao todo, ao menos 84 pessoas foram mortas no âmbito das operações Verão e Escudo, esta última deflagrada no fim de julho do ano passado na Baixada Santista. As incursões foram desencadeadas após a morte de dois PMs da Rota: Patrick Bastos Reis, de 30 anos, e Samuel Wesley Cosmo, de 35 anos. Os agentes foram alvejados, respectivamente, em 28 de julho do ano passado e em 2 fevereiro deste ano.

Após as mortes dos agentes, a Secretaria da Segurança Pública, sob a gestão de Guilherme Derrite, instaurou ações imediatas para buscar os envolvidos, mas as ofensivas foram marcadas por relatos de abuso feitos por moradores, parentes das vítimas e entidades dos Direitos Humanos.

No caso da Operação Escudo, a Justiça já aceitou algumas denúncias contra policiais - em um dos casos, outros dois PMs da Rota também teriam forjado um confronto.

Agora, uma primeira denúncia, obtida pelo Estadão, também é aceita contra PMs que atuaram no âmbito da Operação Verão. O caso que resultou na acusação ocorreu por volta das 18h40 do dia 10 de fevereiro perto da Praça José Lamacchia, no bairro do Bom Retiro. É a mesma região onde o policial Samuel Cosmo foi morto após ser alvejado durante patrulhamento.

Qual é a versão dada pelos policiais?

Conforme os promotores de Justiça Marcio Leandro Figueroa, Raissa Nunes de Barros Maximiliano, Daniel Magalhães Albuquerque Silva, Francine Pereira Sanches e Fábio Perez Fernandez, uma equipe da Rota se deslocou até o região do Bom Retiro sob a justificativa de que um suposto integrante do Primeiro Comando da Capital (PCC), vulgo "Príncipe", estaria transportando armamentos em um Jeep Compass.

Participaram da ocorrência cerca de sete viaturas da Rota, com aproximadamente 30 policiais militares de prontidão distribuídos entre elas. Os veículos estavam estacionados no Cemitério Municipal da Areia Branca antes de ir até o local.

O policial Diego Souza Maia afirmou em depoimento que, ao localizar o carro suspeito, desembarcou da viatura em que estava ordenando que o motorista descesse. O agente alegou que a vítima teria empunhado uma pistola com a mão direita e tentado fugir, o que fez com que ele disparasse quatro tiros de fuzil contra Allan.

Já Glauco Costa disse que, após os disparos iniciais feitos por Diogo Souza Maia, abrigado na frente da viatura, efetuou outros quatro disparos de pistola, momento que foi captado pela câmera operacional portátil (COP) utilizada pelo agente. A alegação é de que Allan teria reagido após os primeiros disparos, o que teria resultado em uma reação.

De acordo com a denúncia, quando os tiros cessaram, Glauco Costa recuou para o lado da viatura, momento em que o Diogo Souza Maia - que estava com a câmera operacional portátil descarregada - supostamente teria desarmado a vítima.

Passados cerca de 49 segundos, Glauco Costa voltou ao ponto onde havia feito os disparos e encontrou, no chão, uma pistola prateada de numeração raspada, cuja posse foi atribuída à vítima. Cerca de 23 minutos após os disparos, teria sido encontrado ainda um fuzil no porta-malas do carro da vítima.

Como promotores avaliaram o caso?

Segundo a denúncia, apresentada no último dia 18, o carro da vítima já havia tido a trajetória bloqueada por uma das viaturas, após rápida abordagem, quando os dois policiais começaram a atirar. Eles negam a hipótese de que Allan teria tentado fugir e que ele teria revidado aos disparos.

A perícia apontou que Allan de Morais Santos foi atingido por seis tiros. Entre outras lesões, os disparos causaram a fratura de ossos da face, fratura dos arcos costais, fratura exposta nas clavículas direita e esquerda e fratura nos braços direito e esquerdo.

A denúncia aponta que, não havendo ameaça, já que a vítima não tinha movimento nos seus membros superiores, os policiais teriam passado então a simular disparos, que depois seriam alegados como sendo de dentro para fora do veículo do ofendido, forjando uma troca de tiros entre eles e a vítima.

Segundo os promotores, passados cerca de oito segundos da ocorrência, foram realizados dois disparos de arma de fogo, que somente conseguiram ser percebidos porque duas câmeras operacionais portáteis capturaram os estampidos.

O Ministério Público apontou que, para encobrir os disparos simulados, além de Diogo Maia (que estava com a câmera portátil descarregada) ser o único responsável por se aproximar da vítima, o denunciado Glauco Costa "inclinou seu peito para o chão", de forma que sua COP usada por ele não filmasse o que se passava no interior do veículo.

Os promotores listaram ainda uma série de ações irregulares no atendimento à ocorrência. Em uma das viaturas, o documento descreve que todos os ocupantes, exceto um, estavam com as baterias das câmeras portáteis descarregadas. "A única COP gravando, para não filmar a aproximação da viatura na lateral direita do carro da vítima, foi deixada em cima do banco com a lente para baixo", diz a denúncia.

O documento descreve ainda condutas adotadas por outros agentes que acabaram dificultando a captação de imagens e uma melhor visualização da ocorrência. Em dado momento, um policial que tentou se aproximar do local dos disparos teria sido inclusive impedido por dois outros agentes, segundo mostram as imagens da câmera corporal de um dos Pms.

Já um outro policial militar, ao perceber a movimentação no carro de Allan após os disparos, para não captar a ação, chegou a andar de costas, enquanto outro agente obstruiu a sua câmera portátil com as mãos por mais de meia hora, segundo a denúncia. Nas imagens reunidas no documento, um agente aparece retirando a COP de um dos bolsos após o encerramento da ocorrência.

Diante das provas coletadas, o Ministério Público denunciou os policiais militares da Rota Diogo Souza Maia e Glauco Costa por homicídio qualificado, além de requerer a suspensão dos agentes. A reportagem ainda não encontrou a defesa dos acusados.

No último dia 21, o juiz Alexandre Betini, de Santos, aceitou as denúncias e aceitou parcialmente os pedidos: o magistrado determinou que os dois PMs denunciados passassem a fazer apenas trabalhos administrativos. Além disso, arquivou o processo contra outros dois agentes, que eram investigados por estarem na mesma viatura, porque eles não teriam participado efetivamente da morte.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que todos os casos de morte em decorrência de intervenção policial (MDIP) "são rigorosamente investigados pelas forças de segurança", com acompanhamento das respectivas Corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário.

Como mostrou o Estadão, a polícia paulista matou neste ano 496 pessoas entre janeiro e setembro, o maior número para o período desde 2020, quando houve 575 óbitos desse tipo. Desde o ano passado, a alta da letalidade pelas forças de segurança foi impulsionada por operações policiais na Baixada Santista e, neste mês, chamaram a atenção os casos de Ryan Andrade, de 4 anos, e do estudante de Medicina Marco Aurélio Acosta, de 22, baleado na Vila Mariana, zona sul da capital.

A secretaria não se posicionou especificamente sobre as causas do aumento na letalidade policial este ano, mas afirmou que é uma instituição legalista que atua com rigor e não tolera nenhum desvio de conduta dos seus agentes. Em razão disso, afastou os policiais envolvidos na ocorrência que vitimou o estudante de Medicina e "investiga, por meio de Inquérito Policial Militar (IPM), todas as circunstâncias do ocorrido". A Polícia Civil também apura o caso.

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