A importância de entender que não é possível controlar tudo na vida
Por Edicase
Publicado às 28/10/2024 14:29:49Imagine que você se esforçou para construir um carrinho e levá-lo até o topo de uma montanha-russa. Já sem fôlego, depara-se com a imensa descida tentando reunir as poucas forças que restam para deter ou, ao menos, abrandar a queda. A energia gasta contra a gravidade é tanta que você mal consegue sentir o frio na barriga e o vento bagunçando o cabelo. Observar a paisagem? Nem pensar…
A cena narrada pela psicóloga Ana Luísa de Araújo Dias, mestra em Saúde Comunitária pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), nos remete ao cansaço e à frustração que surgem quando perseguimos o mito de que o sucesso depende apenas de nós.
São muitos os slogans da sociedade capitalista ocidental que glorificam o esforço individual como pilar exclusivo para alcançar o que desejamos – ou para cumprir o que se espera de nós. Você certamente já deve ter ouvido: é só ter força de vontade que você chega lá.
Mas será realmente possível segurar todo esse peso sozinho sem quebrar ou, ao menos, trincar? Uma escolha mais sábia, aponta Ana Luísa, seria sair da parte de trás do carrinho, de onde tentamos controlá-lo, para estar dentro do veículo fluindo com o que a vida nos propõe e contando com o empurrãozinho que ela pode nos oferecer.
Abrindo espaço
“Em alguns momentos, a transformação do céu, da terra e dos seres ao redor caminha na direção contrária ao sentido que queremos tomar”, diz Wagner Canalonga, mestre regente da Sociedade Taoista de São Paulo.
O taoismo, tradição religiosa do Leste Asiático, propaga a ideia de esvaziar o coração do excesso de apegos, preferências e referências a fim de liberar espaço para que as nossas transformações estejam alinhadas às constantes mudanças do Universo. “Em vez de forçar a barra em cima daquilo que queremos, podemos diminuir no nosso coração o excesso de desejos e contemplar o que verdadeiramente nos é essencial”, diz. “Quando nos aliamos à corrente, usufruímos daquele movimento e podemos obter grandes resultados.”
Isso é importante, inclusive, para saber a hora de se proteger. Se um tsunami vem na sua direção, tentar enfrentá-lo pode te destruir. Nesse caso, a escolha mais acertada seria ficar em um abrigo até as águas se acalmarem. Não por acaso, a meditação é propagada por essa e outras correntes filosóficas como uma das formas de nos familiarizarmos com os movimentos da natureza interna e externa em busca de um maior equilíbrio com o fluxo da vida.
Elementos inconscientes e espirituais nos regem em situações de perigo nas quais precisamos proteger a nós ou a quem amamos. São eles que nos fazem encolher automaticamente quando algo explode ou subir um muro alto quando é preciso fugir, ainda que em outros momentos não sejamos capazes de tamanha potência.
Foram essas mesmas forças que salvaram seu pai, o pajé Itambé, de tentativas de assassinato por proteger seu território ancestral, conta Ubiraci. Armas, quando apertado o gatilho, não funcionavam. Algozes juravam que Itambé estava andando com uma multidão em caminhos pelos quais pajé passava sozinho. Em outros momentos, os inimigos simplesmente não conseguiam enxergá-lo. “Existe uma proteção espiritual. Cada cultura tem sua forma de acreditar, mas a gente sente que tem algo nos protegendo ou limpando os caminhos antes de a gente chegar”, observa.
E você? Tem dado passagem ao inexplicável? Ou se esforçado para forjar cada passo? Achar que está apenas sob nosso poder determinar o fluxo da vida, é pequeno demais. Renunciar ao controle pode ser desconfortável a princípio, mas nos conecta com a imensidão. A teia da existência sustenta o imponderável, nos levando a lugares e aprendizados que jamais imaginaríamos. Nos carrega para o que a alma realmente deseja. É preciso confiar no mistério e deixar a vida nos guiar em sua direção.
Por Martina Medina – revista Vida Simples
Jornalista e ariana-virginiana. O tempo a tem ensinado a compartilhar o peso com a vida – e o quão libertador isso pode ser.