�dio a apoiadores de Lula se repete e ataques n�o deixam rastros

Investiga��o de ataque a tiros � caravana do ex-presidente n�o tem solu��o

Por DIRLEY FERNANDES

Acampamento de apoiadores de Lula, em Curitiba: alvo de tiros na madrugada
Acampamento de apoiadores de Lula, em Curitiba: alvo de tiros na madrugada -

Brasília - "Quem estava lá já sabia que isso iria acontecer mais cedo ou mais tarde", afirma Márcia Koakoski. Uma semana depois de ter sido atingida por um tiro no acampamento dos apoiadores do ex-presidente Lula, na madrugada do sábado, 28 de abril, a advogada diz que só agora começa a se sentir uma pessoa "normal". "Eu não sou petista, não incomodo ninguém. De repente, me vi alvo de um tiro disparado por gente guiada por um ódio insano. Eu me peguntei: 'o que é isso?'. Fiquei me sentindo um alvo, uma Marielle".

Márcia escapou por pouco da morte. Um tiro, disparado por uma pistola 9mm, atingiu o ombro dela enquanto estava no banheiro. Ela só pôde falar com O DIA porque, antes de atingi-la, a bala atravessou três paredes de fibra de vidro dos sanitários químicos instalados no acampamento. Com isso, o projétil provocou apenas uma marca arroxeada redonda com uma ferida superficial ao centro.

Uma consequência mais grave foi questão de sorte, assim como tiveram sorte os jornalistas e blogueiros que estavam no ônibus que foi alvo dos disparos contra a caravana de Lula no interior do Paraná, em 27 de março. Nos dois episódios, ninguém havia sido responsabilizado até o fechamento desta edição. Ambos mostram a extensão que podem tomar as reações de ódio contra os apoiadores do ex-presidente Lula - as quais tiveram mais um capítulo na sexta-feira: um delegado de Polícia Federal, Gastão Schefer Neto, quebrou o equipamento de som levado para uma manifestação em frente à sede da Polícia Federal, onde o ex-presidente está preso.

TIROS NA MADRUGADA

Os dois ataques a tiros sofridos pelos petistas são investigados pela Polícia Civil paranaense. Os encarregados do atentado ao acampamento têm uma tarefa mais fácil. Câmeras de segurança no entorno do acampamento filmaram o autor do disparo. Um carro, pouco antes dos tiros, por volta de 3h, havia passado seguidas vezes pela rua diante da entrada da área, dirigindo xingamentos para os acampados e cantando pneus.

Os seguranças voluntários e outros acampados responderam disparando rojões, uma forma de alertar os acampados do perigo e tentar dispersar os agressores. Uma testemunha afirma que também foram atiradas pedras contra o carro. Poucos minutos depois, um homem vestido com um moleton se aproximou e, a 50 metros da entrada do acampamento, disparou, chegando a recarregar a pistola, enquanto recuava, para realizar mais disparos. Além de Márcia, um dos seguranças, Jefferson Menezes, foi atingido no pescoço.

"Quando todo mundo estava indo dormir, eu pedi aos seguranças para ir ao banheiro. Ali, ouvi tiros misturados aos fogos e logo muita correria, gritos, barulho. Fiquei muito assustada. Tudo estava escuro. Foi quando senti o impacto. Naquele breu, senti que tinha sido atingida por um tiro, mas não consegui entender se era grave ou não".

O ataque foi o momento mais grave, mas em todos os dias anteriores, houve registros de carros passando no acampamento, xingando e atirando objetos. Apesar disso, não havia nenhum esquema de policiamento especial na área.

"A polícia militar faz ronda ali, na sede da PF e no bairro todo, mas não tem nenhuma viatura que fique parada, fazendo segurança para eles. Aconteceu esse evento e imediatamente o comandante geral da PM determinou que uma viatura reforçasse o patrulhamento lá, para evitar qualquer tipo de problema", esclareceu a assessoria da Secretaria de Segurança Pública do Paraná.

'A sensa��o que eu tenho � que, hoje, perdemos a liberdade'

O DIA: Como era o acampamento em que voc�s estavam, em Curitiba?

Era um ambiente muito bom, com pessoas de diferentes classes sociais e profiss�es confraternizando. O conv�vio tinha regras, como a proibi��o de bebidas alco�licas. No dia do ataque, houve uma atividade cultural que foi at� um pouco mais tarde.

Antes da noite em que houve os tiros, havia ocorrido algum incidente?

Todos os dias houve incidentes. Uma parcela da popula��o mostrou solidariedade conosco. Uma outra parte, no entanto, era muito hostil o tempo todo. Tanto que n�s s� sa�amos do acampamento em grupo. E t�nhamos ordem para n�o responder a nenhuma provoca��o. Na frente do acampamento, dia e noite passavam carros buzinando e xingando os acampados de muita coisa, de vagabundos para baixo.

Mas, numa situa��o de risco como essa, n�o havia policiamento?

Nenhum. Isso era uma coisa que eu n�o conseguia entender. N�o vimos um carro da PM no local.

E como foi aquela noite?

A gente ficou conversando at� um pouco mais tarde. A�, na hora de deitar, chamei os meninos da seguran�a e pedi para ir ao banheiro. Um deles me acompanhou at� a porta. Senti que o clima estava tenso. Pouco antes, eu tinha ouvido roj�es, que o pessoal disparava na entrada do terreno que a gente estava. A�, vieram os tiros, depois fogos e depois uma correria tremenda. Foi um p�nico total, muita gritaria, tudo no escuro. Foi quando senti o impacto. Tive muito medo. At� que, quando teve mais luz, eu pude ver que n�o era t�o grave. Depois, a gente achou que tinha sido apenas um estilha�o, at� que me disseram que a ferida � compat�vel com o ferimento de bala. � uma sensa��o ruim saber que fui atingida por um tiro de uma 9mm.

E como tem sido os dias depois do ataque?

Eu recebi apoio da OAB, de pessoas especializadas em Direitos Humanos. Mas a sensa��o que eu tenho � que, hoje, perdemos a liberdade de pensar e se manifestar. Eu s� disse o que pensava, me manifestei contra a pris�o do presidente Lula. E por conta disso, atiram contra a gente. Eu me senti muito apreensiva, recebendo liga��es estranhas, com pessoas perguntando onde eu estava... me senti um alvo. O que vejo � que pessoas com um perfil de agressividade muito forte est�o se sentindo � vontade para agir, at� porque elas encontraram candidatos que falam o que elas pensam. Pessoas ligadas a movimentos sociais, que pensam diferente delas, est�o a cada dia mais, sob risco. O �dio � t�o intenso que voc� pode ser morto. Eu e o Jefferson n�o fomos por pouco.

Delegado diz que n�o tem ind�cio de autoria de ataque a �nibus

"A verdade � que n�o temos nenhum, ou temos muito poucos, ind�cios da autoria do ataque". Quem admite � o delegado Helder Lauria, da Delegacia de Laranjeiras do Sul, no Paran�. Foi na estrada que liga a cidade a Quedas do Igua�u que um dos �nibus da caravana de Lula foi atingido por dois tiros. "� um trecho de 70 quil�metros e s� tem duas c�maras", lamenta o policial.

De fato, � muito pouco o que a Pol�cia Civil sabe do crime. Apenas a per�cia ofereceu algumas indica��es, apesar de Lauria j� ter ouvido mais de 30 testemunhas e ainda pretender ouvir pelo menos duas dezenas. "Ningu�m se referiu a ter visto algum carro passando pelo local. E a posi��o do tiro tamb�m deu indica��es de que foi uma emboscada feita por algu�m que aguardou a passagem da caravana e fez os disparos", diz. "� uma investiga��o lenta, muitas testemunhas de fora do Paran�", diz, sem esconder o des�nimo.

Lauria diz que as principais suspeitas de autoria se referem a integrantes de grupos antipetistas. "Levantamos muita gente que falava em 'se passar aqui, vou mandar bala', mas � dif�cil saber o que � s� bravata e o que devemos levar a s�rio. H� grupos do Paran�, mas n�o exatamente da regi�o, que investigamos mais de perto. A linha principal � a de um ataque praticado por grupos dirigidos politicamente contra Lula", diz.

O coordenador da caravana, Marcio Macedo, lembra que as amea�as marcaram todos os passos dos aliados de Lula pelo Sul. "J� na primeira cidade tinha uma estrutura de uma mil�cia armada, de umas 20, 30, 40 pessoas que acompanharam o percurso da caravana, jogando pedras, provocando... Provavelmente, veio desses grupos as tentativas de atentados e, finalmente, os tiros".

Segundo Macedo, o grupo era auxiliado por setores espec�ficos. "Em alguns momentos, os ruralistas entravam e refor�avam, outros momentos a turma do MBL e em outros momentos a turma do Bolsonaro, que era a mais presente, provocando, jogando ovo. At� que veio essa tentativa de homic�dio".

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