Temer acaba com o Fundo Soberano do Brasil

Por medida provis�ria, presidente extingue mecanismo, que servia de 'colch�o' para blindar o pa�s em eventuais ataques � economia

Por MARTHA IMENES

Alessandro Molon (PSB-RJ): 'é prematuro afirmar que MP vai passar no Congresso'
Alessandro Molon (PSB-RJ): 'é prematuro afirmar que MP vai passar no Congresso' -

Rio - Ao assinar uma medida provisória para acabar com o Fundo Soberano do Brasil (FSB), que é uma espécie de poupança do país, o presidente Michel Temer (MDB) pode abrir as portas brasileiras para especulação, principalmente no câmbio. O alerta é de Bruno Leonardo Barth Sobral, professor de Economia da Uerj. De acordo com o especialista, o fundo foi criado em 2008 pelo governo Lula justamente para servir de proteção à economia, além de promover investimentos em ações e projetos de interesse nacional.

Agora os seus recursos, que serão conhecidos em três meses - estima-se que tenha em torno de R$ 26 bilhões - serão destinados ao pagamento da dívida pública federal. O que é criticado pelo economista. "Quando o governo pega essas reservas para pagar dívida, mas não toma medidas para conter o pesado déficit público, é como se estivesse 'torrando' o dinheiro", explica Sobral.

Para o economista, a extinção do fundo pode deixar o Brasil vulnerável a crises externas (e internas) e sem blindagem no caso de eventuais ataques à moeda. "Uma das ideias do Fundo Soberano é ter reservas para injetar na regulação cambial", diz Sobral. "O governo está com problema de déficit fiscal e vai pegar um dinheiro que deveria ser utilizado para investimento para cobrir despesas públicas. Ou seja, esse dinheiro funcionará como 'contabilidade criativa' para melhorar o balanço sem propriamente sinalizar recuperação econômica", avalia.

MEDIDAS

A extinção do Fundo Soberano já era prevista pelo governo Temer e faz parte das 15 medidas anunciadas pelo governo em fevereiro e consideradas prioritárias do ponto de vista econômico e fiscal. O Tesouro Nacional já trabalhava nas vendas das ações em poder do fundo para embolsar os recursos e encerrá-lo. No início do mês, inclusive, o governo já havia resgatado R$ 3,5 bilhões do Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), fundo privado cujos recursos vinham todos do FSB.

Como foi publicado como medida provisória, a extinção do fundo passa a vigorar imediatamente. No entanto, para que tal decisão seja definitiva, ela terá de ser analisada pelo Congresso Nacional. O que, segundo o deputado federal Alessandro Molon (PSB-RJ), ainda é prematuro avaliar se vai passar pelo crivo dos parlamentares.

O prazo inicial de vigência de uma MP é de 60 dias e é prorrogado automaticamente por igual período caso não tenha sua votação concluída na Câmara e no Senado. Se a sua extinção não passar em até 45 dias, contados imediatamente a partir da sua publicação – ou seja, desde ontem–, a MP vai entrar em regime de urgência, o que tranca a pauta de votações da Casa em que estiver tramitando.

“Trata-se de um duplo atestado de incompetência do governo: não conseguiu recuperar o crescimento econômico e agora se desfaz de importante instrumento para o desenvolvimento do país. E ainda o faz por Medida Provisória, que diminui o debate com o Congresso e com a sociedade”, diz Molon.

Brasil: de crise em crise at� a cria��o do Fundo Soberano

A instabilidade no câmbio brasileiro ao longo dos anos tem sido provocada por diversos fatores externos. Sendo seu período mais severo, segundo o economista Bruno Leonardo Barth Sobral, nos anos 90. O DIA buscou informações e montou um tipo de cronologia das crises de 1990 até a criação do Fundo Soberano.

No dia seguinte à posse, o então presidente Fernando Collor confiscou os recursos das cadernetas de poupança e afundou a economia lá nos idos de 1990. Em seguida, já em 1994/95, o Brasil sentiu o "Efeito tequila", quando o México abandonou o câmbio fixo e desvalorizou o peso. A perda de confiança e a fuga de capitais do país vizinho se alastram pela América Latina. A inflação disparou e o então presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Plano Real, que congelou os salários na média e os preços no pico. O Brasil parecia, então, estar "sob controle".

Mas entre 1997 e 1999, o câmbio sofreu novo ataque: primeiro "derreteram" as moedas dos Tigres asiáticos (Taiwan, Cingapura, Coreia do Sul e Hong Kong), em seguida o rublo russo, para logo depois derrubarem o Real. Essa foi a recessão mais longa do Plano Real: durou 16 meses, quando a economia nacional sentiu o impacto das crises que detonaram o câmbio fixo brasileiro.

As recessões pré-Real duravam bem mais. A que começou em meados de 1989, em meio à hiperinflação e às primeiras eleições presidenciais diretas desde a redemocratização, durou 30 meses, com a “colaboração” substancial do confisco da poupança, que estancou os fluxos de dinheiro e jogou a economia ribanceira abaixo.

No ano seguinte (2000), o mercado voltou a sofrer ataques especulativos. Dessa vez foi no mercado interno com os impactos do apagão provocado pela falta de investimentos no setor elétrico, o que levou o governo a decretar racionamento de energia. Logo após o período de pânico que se instalou no mercado com a iminente vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002/03, jogando o dólar norte-americano a R$ 4, os investidores se acalmaram.

Em 2008, o então presidente Lula criou o Fundo Soberano do Brasil (FSB) justamente para proteger a economia dos ataques especulativos no câmbio. E foi justamente esse fundo, alinhado a políticas de estímulo ao consumo - como redução de impostos, por exemplo - que impediu que o Brasil sucumbisse ao escândalo da "Bolha imobiliária" (subprime) dos Estados Unidos, que desencadeou a pior crise econômica global desde 1929, período da Grande Depressão norte-americana, que quebrou mercados no mundo todo. Em 2008, enquanto a Europa e os Estados Unidos mergulhavam na crise econômica, o Brasil batia recordes de crescimento – 7,5% ao ano.

SUBPRIME

Na época, o maior banco francês, o BNP Paribas, anunciou que estava suspendendo temporariamente três fundos de investimento – Parvest Dynamics ABS, ABS Euribor e ABS Eonia – porque mais de um terço de seus créditos tinham as dívidas norte-americanas de “baixa qualidade” em carteira, o que faria “evaporar a liquidez”. Ou seja, informou que não tinha mais como calcular o valor líquido dos títulos por conta da turbulenta situação do mercado subprime nos EUA.

A crise nos EUA começou em 2000, quando milhares de famílias de baixa renda tomaram empréstimos a taxas variáveis, o chamado subprime, garantidos no valor dos imóveis. No entanto, quando essas taxas sobem, as famílias não tem mais como pagar os empréstimos e os preços dos imóveis acabam entrando em uma bolha com preços muito fora do padrão. Como esse valor já está em negociações financeiras bancárias complexas, a liquidez começa a sumir.

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