Rio - Pisar no tatame para enfrentar um adversário, às vezes bem mais forte, não assusta Diego Moraes. A luta do repórter da TV Globo, filho de uma família pobre em Macaé, começou bem antes de o menino sonhar com o ouro olímpico. A caminhada até o pódio das competições de karatê teve degraus muito mais altos do que seus fãs imaginam. Prestes a lançar três novos episódios da série "Diego San", no Esporte Espetacular, ele conversou com o Meia sobre sua história e o desafio de conciliar duas profissões.
O verbo "desistir" nunca fez parte do vocabulário de Diego, apesar da falta de apoio dentro da própria casa: o pai metalúrgico, com quem não tem contato há 3 anos, não teve nenhuma participação em sua vida acadêmica, muito menos na esportiva. Já a mãe, é a maior inspiração. Dona Anairdes, professora de português, foi quem apresentou o esporte ao filho — aos 3 anos, o menino entrou na natação e, aos 6, já praticava karatê.
“Competi nas piscinas até os 16 anos e, no tatame, até os 18. Sempre fui melhor no karatê, mas parei em 2005 porque não via muito futuro. O esporte ainda não era olímpico e conseguir patrocínio era muito difícil. A confederação brasileira não arcava com nada, tudo saía do meu bolso”, conta Diego, que na época já havia sido vice-campeão mundial, no Japão; sétimo lugar no Pan-Americano do Uruguai; campeão brasileiro juvenil e tricampeão estadual.
A dificuldade levou o atleta a outro caminho, mas não muito distante. Diego se formou em jornalismo e, à beira do gramado e das quadras, uniu a profissão à paixão pelo esporte. Mas os desafios não pararam por aí.
“Quando virei repórter, senti mais na pele o preconceito. Chegar em lugares mais altos é difícil pra todo mundo, mas pro negro é pior. Você acaba sendo sempre a única voz que as pessoas querem calar. Várias vezes esbarrei nessa questão, mas nunca foi um limitador. Se tenho que ser o melhor pra conseguir uma bolsa, uma oportunidade, vou ser. Por isso tenho que fazer bem feito e me esforço ao máximo tanto no karatê quanto no jornalismo. Meu sonho é chegar um dia numa redação e metade ser negra, sem que isso seja uma novidade", diz Diego, o único repórter negro a cobrir esportes no Rio para a TV: “Normalmente as pessoas pensam que o racismo é só ver o negro como pobre e bandido. Mas o que mais me incomoda é a contestação da nossa intelectualidade. É duro saber que acham que a gente é sempre burro”.
Inveja e fé
Há dois anos, durante a cobertura da Rio-2016, o repórter sentiu que poderia estar (também) do outro lado do microfone. O anúncio de que o karatê seria esporte olímpico acendeu em Diego a vontade de voltar aos tatames. Mas não apenas isso: o objetivo é conquistar uma vaga na Olimpíada de Tóquio, em 2020. Veio daí a ideia de criar a série que tem feito sucesso na Globo, mostrando a rotina de competições, treinos e viagens:
“Não é fácil ter uma série com essa repercussão. Tenho que saber lidar com a inveja no karatê e no jornalismo. Não posso falhar, porque é exatamente isso o que as pessoas esperam de mim. Tô curtindo o momento, mas sei que é temporário”.
Pelo menos as lesões também são. Logo no primeiro ano da série — no ar desde 2017 —, Diego machucou o joelho esquerdo. Foram sete meses de tratamento, com sessões que chegavam a durar oito horas por dia. A fé era sua companhia.
“Tem uma hora que a recuperação não evolui, esse momento é o pior. Comecei a trabalhar a parte psicológica e ir à igreja pra fortalecer minha fé. Outra coisa que ajudou foi assistir a documentários de pessoas que me inspiravam. Um deles contava a história do Usain Bolt, que teve a carreira marcada por lesões e conseguiu ser o que é”, conta.
Mas Diego é mesmo lutador: de volta aos tatames, o repórter-karateca teve um desempenho surpreendente e chegou à liderança do ranking brasileiro. Para ir a Tóquio, precisa chegar ao top 10 mundial. Aí Dona Anairdes terá (ainda mais) motivos pra se orgulhar...
* Estagiária sob a supervisão de Marco Antonio Rocha