A reabilitação de policiais militares com o auxílio da própria corporação
Clínica atende até 70 pacientes por ano. Palestras serão anunciadas em batalhões e delegacias
Por Bruna Fantti
Rio - Aos 40 anos, o sargento da Polícia Militar J.L. passou a ser conhecido como o 'mendigo da rodoviária de São Fidélis'. Ele dormia em um banco do local à espera da abertura do bar. Às 7h, após beber a primeira de quatro garrafas de cachaça do dia, vestia a farda no Batalhão de Campos de Goytacazes e saía para patrulhamento. "Foi nesse momento que vi que estava no fundo do poço. Pedi ajuda à corporação após ver um amigo também alcoólatra defecar o fígado", contou. Ele foi encaminhado para a clínica Renascer, que desde 1987 trata da reabilitação de policiais militares viciados em bebidas, drogas e jogos.
A coragem para pedir ajuda, no entanto, demorou cinco anos. "Não tinha informação sobre a clínica. Achava que o tratamento era ser colocado em uma cela", disse no Hospital Central da Polícia Militar, no Estácio, onde ficou internado por 35 dias. Agora, com nove meses sem beber, faz o curso para ser conselheiro de outros policiais internados.
Para levar mais informação aos policiais e qualificá-los a orientar a população, a Secretaria de Segurança vai anunciar uma agenda de palestras do Narcóticos Anônimos em Batalhões e Delegacias. As visitas começam em fevereiro. Na próxima semana, cartazes do N.A. com os telefones dos grupos serão colados nas unidades de Segurança de todo o estado.
Para o conselheiro da Renascer, sargento O., 39 anos, a iniciativa vai fazer que o preconceito dentro da própria tropa diminua. "É uma ideia maravilhosa. Tira a dependência química de um lugar estigmatizante da escuridão", opinou. Ele mesmo optou por procurar os Alcoólicos Anônimos (A.A.) em 2003, quando trabalhava no Batalhão de Choque. "As situações de troca de tiros nas favelas, as angústias geradas pelo trabalho. Tudo isso eu anestesiava na bebida. Com o tempo, vi que gastava quase todo o meu salário bebendo", relatou. Ele não sabia da Renascer e resolveu procurar ajuda no A.A. "Lá, eu não era policial. Me recuperei e fui para a Renascer, como conselheiro. É um trabalho que já ajudou muitos policiais. Acho que com mais informação, vai ajudar outros colegas a procurarem ajuda e difundir informação sobre como orientar pessoas com o mesmo problema", disse.
O Centro de Reabilitação Renascer foi criado em 1987 para atender policiais militares e familiares dependentes químicos de álcool e drogas ou de outras compulsões. Foi a primeira instituição do tipo no país.
A corporação estima que o Centro atenda 50 a 70 pacientes por ano. O tempo médio de internação é de 35 dias, dentro do modelo baseado em 12 passos com suporte de remédios. No local, é proibido doces que possam conter álcool, desodorante e perfumes.
Atualmente, três pacientes estão internados e outros 13 no pós-tratamento, que são grupos de apoio do A.A. e N.A., além de acompanhamento psiquiátrico para prevenção à recaída.
O major psiquiatra Rogério Neto diz que o índice de sucesso no tratamento é alto. "A maioria dos nossos pacientes volta as suas atividades mesmo durante o tratamento. Muitos nos ajudam a recuperar colegas que, por diferentes motivos e estresse da profissão, procuram refúgio no álcool e nas drogas", explicou.
Após ir para a Renascer, o sargento de São Fidélis conseguiu algo que havia perdido por conta do vício: comemorar o Natal com os filhos.
Seseg formula em grupo Política Pública sobre drogas
Um grupo de estudo criado em junho do ano passado na Secretaria de Segurança Pública pretende lançar uma Política Pública no estado voltado à problemática das drogas. "Não existe mais a ideia antiga de guerra às drogas. A política pública que pensamos é aquela que possa trazer uma melhor qualidade de vida para o Rio de Janeiro, com uma nova abordagem", afirmou a capitão Tatiana Lima, coordenadora do Grupo de Estudo referente às drogas da pasta.
Os cartazes que serão colocados nas delegacias e as palestras de qualificação de agentes nos batalhões e delegacias a partir de fevereiro fazem parte da primeira etapa prática que surgiu após discussões no grupo. No total, são 15 integrantes, inclusive representantes das secretarias estadual e municipal de Saúde, Guarda Municipal, Fundação Oswaldo Cruz e Direitos Humanos.
"Só ao final do estudo, com todas as fases realizadas, poderemos dizer qual será a Política Pública proposta. Pode ser uma de redução de danos ou outra diferente. Por isso o grupo de estudo", explicou a capitão.
A primeira iniciativa de redução de danos surgiu na Holanda, em 1984. Preocupados com os elevados índices de Hepatite B entre usuários de drogas injetáveis devido ao compartilhamento de seringas, o governo criou o primeiro programa de distribuição e troca de agulhas. São Paulo, Porto Alegre e Sergipe já possuem políticas similares.
A capitão Tatiana, que já atuou como comandante da UPP, disse que já se deparou com situações de pedido de ajuda. "Éramos abordados por moradores que relatavam roubos feitos por parentes viciados. O policial tem que saber orientar a população a procurar ajuda e essa fase de qualificação será para isso", disse.