Quando o Carnaval acabou

Depois do desfile da mais longa segunda-feira de folia, a ter�a foi de �xtase e comemora��o com o nov�ssimo e generoso amor no motel do Centro, lembran�as, vingan�as, �lcool, drogas � vontade. A felicidade n�o tinha tamanho, mas o cora��o tem

Por Lu�s Pimentel Jornalista e escritor

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Era quase um menino quando deixou Petrolina carregando uma mochila de miudezas e o sonho de se tornar menina. Chamava-se Sandoval, mas queria se tornar Valdite. Assim, o apelido continuaria o mesmo, Val, que servia para ambos os sexos.

Duas mudas de roupa, esmalte e batom furtados da irm�, o endere�o da cafetina em Copacabana, o telefone do importador e aplicador de silicone e um projeto ambicioso: ser rainha de bateria de escola de samba, qualquer uma. Desde que no turbilh�o da festa e no pranto da cu�ca pudesse esquecer o turbilh�o de sofrimentos e todo o choro derramado na inf�ncia e juventude infelizes.

"A vida � para frente, querida", disse � amiga, na despedida. Para tr�s ficaram o pai repressor, a m�e enferma, os irm�os covardes e todo o arsenal de humilha��es sobre o qual um dia pisaria com os saltos da sand�lia dourada no asfalto da Sapuca�. Em frente, holofotes, c�meras de televis�o, flashes, aut�grafos, toda a luz da luz que iluminava Copacabana e que a persegue desde o dia em que a conheceu nas p�ginas da revista.

Val e a vontade de ser maior do que um apelido de tr�s letras, um nome ou sobrenome; nada que o fizesse se lembrar do pai. Val e a chegada triunfal no apartamentinho de luzes difusas da Prado J�nior, de quartos espremidos em subdivis�es asfixiantes, cafetina fedendo a cigarro e conhaque baratos. Caf� com p�o na padaria da esquina. Val e a vida, t�o grande quanto a vida, t�o forte quanto a vida que nenhuma ira afronta. Quem tem um sonho n�o dan�a, j� ouvira.

De t�o enfeitada, quase n�o se reconheceu. Mas enfrentou e se transformou. Como estava linda!, todos diziam. N�o foi com o milion�rio para a Su��a, nem com o artista para a Su�cia, esnobou o professor alem�o que queria carreg�-la para t�o longe. De Copacabana s� sairia para a Avenida.

Confessou o sonho ao nov�ssimo amor das madrugadas, que tinha tr�nsito e prest�gio no Carnaval. E l� se foi Val, para os testes e enfeites, para as luzes e gabinetes, aprovada com louvor. Al�m de linda, t�o talentosa!

Ah, Petrolina, se voc� me visse agora. Ser� que iria reconhecer sua menina?

E, naquele Carnaval, quem a viu n�o esqueceu. A mais bela rainha de todos os s�ditos de Momo. Os bra�os abertos e o sorriso mais satisfeito nas p�ginas dos jornais do dia seguinte.

Felicidade demais. Depois do desfile da mais longa segunda-feira de folia, a ter�a foi de �xtase e comemora��o com o nov�ssimo e generoso amor no motel do Centro, lembran�as, vingan�as, �lcool, drogas � vontade. A felicidade n�o tinha tamanho, mas o cora��o tem. E o de Val n�o resistiu � sedu��o da loucura. As manchetes da Quarta-Feira de Cinzas eram bem diferentes daquelas do dia anterior. Aos rep�rteres, o amor s� sabia repetir:

Ela estava feliz, minha gente. Feliz como nunca a vi.

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Lu�s Pimentel, colunista do DIA Divulga��o

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